O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e a prisão preventiva
As escutas telefónicas e a prisão preventiva são institutos do processo penal a usar com toda a parcimónia. É a Constituição da República quem diz. As escutas telefónicas são um instrumento odioso. Sub-reptício. Tratei delas aqui num texto, Vêm aí as escutas telefónicas.
O país tem cerca de 2400 presos preventivos. Os homens do Excel acham um número razoável. Dos mais baixos da Europa. O importante são os números. Não os mais de dois milhares de presos que aguardam julgamento. Sem saber se serão julgados e quando. Ou se o processo é arquivado sem mais.
Uma auditoria revelaria situações significativas. Com esforço, descortinamos os “fortes indícios” da prática de um crime grave nos fundamentos dos despachos que a decretam. Despachos baseados em factos concretos ou em abstracções que repetem as disposições legais. Demonstração precisa e factual de perigo concreto de fuga, de continuação da actividade criminosa, de perturbação da investigação. Ou mera afirmação palavrosa desses princípios legais. Também revelaria como se encarou a prisão preventiva. Medida coactiva excepcional a aplicar em última instância. Ou o princípio constitucional da presunção de inocência já está a ser beliscado.
Auditar a duração média da prisão preventiva. O que anda fazer o processo na sua pendência é incómoda interrogação. Há efectiva investigação ou o processo está para ali. A fazer de conta que anda, estacionado à espera de um ofício. Há outras coisas a fazer e o prazo está longe de esgotar-se. O preso que espere. O processo anda devagar, devagarinho, até quase ao fim do prazo legal. Não sucede nos casos mediáticos. Naqueles em que os presos preventivos são comuns cidadãos. Desconhecidos. Presos para facilitar/ajudar a investigação. Na óptica errada de que os arguidos devem colaborar. Não devem. Podem. Têm é o direito de se defender. Os Conselhos Superiores das Magistraturas sabem disso.
Quando estão em causa pessoas com relevância política ou social, a coisa é buliçosa. Vira espectáculo. Os jornais informam e julgam. Sentenciam culpas e inocências, com a mesma singeleza. Saciam a nossa ignorância.
Nesta página, decretam que o arguido vai estar preso pelo menos mais dez dias. Na seguinte, vai estar preso mais três meses. Graças a “fonte ligada ao processo”! É a narração do facto antes do facto.
Decretam a inutilidade de um recurso sobre a prisão preventiva. No reexame do despacho anterior em recurso, o juiz de instrução atenderá a novos factos. O Código de Processo Penal diz que não, que a revisão dos pressupostos não inutiliza o recurso. Mas os juízes da Relação podem entender o contrário. Teorizam contra a lei. Está bem. O jornal quer o homem preso preventivamente.
O rigor exigiria reflexão. O recurso no Tribunal da Relação deve ser decidido no prazo legal de 30 dias, desde que o processo aí chegou. Prazo “ordenador”, dizem os juristas. A lei diz 30. Podem ser 60 ou 90. Causa perplexidade. A lei diz uma coisa, o aplicador diz e faz outra. Não a cumpre. Sem consequências.
O prazo da lei é “ordenador ”. Orienta intervenientes processuais, magistrados e advogados! Trinta não é 30! É assim-assim, conforme a gente quer. Podem decidir muito depois do prazo da lei. O prazo não é obrigatório: “o que se não faz num dia, faz-se no outro dia”. Aritmética não é aritmética. É conveniência.
Não é assim quando se trata de prisão preventiva. De liberdade. O prazo não é “ordenador”. É para cumprir. A Constituição da República e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem o determinam. Trinta são 30 e não outra coisa. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem está cansado de o dizer. Só o percebemos quando condena o Estado português. A Constituição da República e a Convenção Europeia deveriam sustentar a interpretação da lei comum! Estão acima na hierarquia das leis. Muito acima do Código de Processo Penal.
O preso/recorrente que espere. Preso. Trinta dias, mais 30, ou mais 30. O prazo de decisão é incerto. Está na lei para estar. Não para cumprir. A liberdade do preso é uma coisa do Estado!